Ao se casar, a pessoa está a demonstrar publicamente a sua obrigação de se  doar ao cônjuge. É uma entrega afectiva, cognitiva e activa ao parceiro, numa  relação de honestidade, exclusividade, fidelidade e nutrição mútua. Essa relação  tende a crescer sadia, sempre iluminada pelos raios vibrantes do amor, que é um  ingrediente indispensável nas trocas e interacções do casal. Nas relações de  intimidade da alma, o amor torna-se uma regra de viver bem. É ele que mantém de  pé a estrutura do casal que se une para a vida.Com essa noção, amar deixa de ser uma questão de sentimento e desejo, para ser  uma predisposição ou inclinação de agir dando prioridade às necessidades, aos  desejos, fraquezas e limitações do outro. Praticando a norma do amor, perde-se o  egoísmo e torna-se altruísta. Não exige; dá-se. Porque o amor é uma obrigação  voluntária pessoal direccionada ao outro.
Para amar alguém, é preciso uma pessoa amar-se primeiro. Caso contrário, vai ser  difícil ter sensibilidade e compreensão suficientes para amar a outra. Se a  pessoa não se ama, o máximo que consegue fazer é querer induzir, manipular ou  seduzir a outra para satisfazer as suas necessidades. O pior é que confunde isso  com amor, enganando-se a si mesma. 
Amor próprio Versus Egoísmo
A psicologia e o cristianismo concordam em que a norma do amor é o  equilíbrio. Quando se ama o próximo deve-se fazê-lo tanto quanto nos amamos a  nós mesmos. Não existe contradição aqui. Quando se leva em conta o que sente, a  sua dor ou tristeza, habilita-se para considerar os sentimentos, as dores e  tristezas dos outros. Ao compreender as suas próprias fraquezas, ter empatia  pelas suas limitações e perdoar os seus próprios fracassos, qualifica-se para  compreender a fraqueza, ter empatia e perdoar os outros.
Sempre que se fala em amor-próprio, é comum as pessoas trazerem à mente a ideia  do egoísmo, narcisismo ou superioridade. Puro engano. Se pensarmos que o amor é  o equilíbrio entre a liberdade e o limite; doação dentro de certos princípios e  crescimento envolvido por normas de justiça, podemos compreender que o  amor-próprio nos orienta para uma vida de sobriedade e moderação. No  amor-próprio não há exageros, extravagâncias ou abusos. Na realidade, é ele que  motiva o indivíduo a dominar-se.
Ao fugir do amor-próprio, a pessoa corre o risco de cair no egoísmo que é a  distorção de um ego frágil, carente, ferido ou traumatizado. O egoísta não  acredita no amor, porque não se ama e duvida que possa ser amado. Acha que, por  não ser amado, não vai receber ajuda de ninguém; por isso, tenta apoderar-se de  tudo. Nessa ânsia, ele não se preocupa com ninguém e passa por cima de qualquer  um.
Dentro da dinâmica do egoísta, podemos observar que ele não usufrui do  companheirismo e intimidade conjugal, porque não pode ser transparente nas suas  intenções. Não se pode mostrar como é. Nunca é directo e aberto, espontâneo ou  autêntico. O egoísta não pode desfrutar de proximidade com o outro, porque não  pode ser visto. Reflecte sempre a imagem e não a pessoa. Não pode gozar de  reciprocidade, porque não tem nada para dar. Não participa da mutualidade,  porque não sabe trocar. Desconhece as vibrações do amor, porque a sua acção é  constantemente governada pelo interesse próprio. Nem do sexo ele pode desfrutar,  porque só pensa em usufruir.
O egoísta não pode interagir intimamente porque não se consegue entregar para  uma relação honesta. Não emite calor, é frio, distante, solitário. Pode até  acumular muito, mas é um eterno carente, com um vazio constante. Está sempre  insatisfeito, porque sofre até com o que come.
O amor-próprio também não é narcisismo. O narcisista gosta demasiado de si  próprio. Tem um ego inflado, pensando que é a coisa mais importante do mundo.  Adora a sua própria imagem. Não cresceu para se tornar um adulto nas trocas com  o mundo. A sua imagem é o objecto de adoração. Não se cuida no que é essencial,  mas gasta a vida no que é artificial, invertendo os valores. Valoriza a  banalidade, vulgariza o que é nobre. Falseia a modéstia; finge humildade com um  objectivo: promover--se. Não sabe que o ser humano é mais que a imagem; que a  pessoa é mais do que a imitação. O seu rosto não muda, porque é uma máscara que  não envelhece. 
Cinco Elementos
O amor-próprio flui através de cinco elementos básicos: conhecer,  respeitar, cuidar, responsabilizar e compreender. Primeiro, é preciso entrar em  contacto consigo mesmo através do auto-conhecimento. Nesse caminho vai-se  percebendo como um ser separado dos demais. Vai encontrar-se como um indivíduo  único. Vai deparar-se consigo como um agente livre para tomar decisões. Vai ter  consciência de que as suas acções provocam consequências que podem beneficiar ou  prejudicar outros, tanto como a si mesmo. À medida que cresce no  auto-conhecimento, vão-se descortinando as experiências mais agradáveis e mais  dolorosas. Também percebe que pode ter sofrido traumas que o marcaram. E, quanto  mais se familiariza consigo, mais se capacita a se familiarizar com os outros.
No encontro consigo há o risco de não gostar do que descobre. Por isso, precisa de evoluir para o respeito. Respeitar é  deixar ser. É não se prejudicar, é tolerar, admitir que o que acaba de descobrir  é real. É aceitar-se como é. Se não se respeitar, vai desqualificar-se para  lidar com as tarefas da vida como adulto equilibrado, cônjuge responsável,  profissional eficiente. Pode até não gostar do que conhece, mas isso não muda  nada. É como é. E até para mudar, precisa de se respeitar como é. Quanto mais se  respeita, mais apto estará para se relacionar no contexto familiar.
O terceiro elemento do amor é o cuidado, a parte activa e realizadora do amor.  “Quem ama, cuida”, costuma dizer-se. Precisa de aprender a cuidar de si. Às  vezes é uma aprendizagem demorada, mas é só assim que o indivíduo pode usufruir  da felicidade e tornar outra pessoa feliz. Só quando a pessoa aprende a cuidar  de si, é que capta o significado de cuidar da outra.
Pelo facto de o cuidado ser uma acção que pode ou não ser praticada, surge a  responsabilidade. Isso significa que, para amar, é preciso ter iniciativa,  empenho e desempenho em favor do objecto que merece cuidado. Na responsabilidade  pelo cuidado da própria pessoa, aprende-se a responsabilidade pelo cuidado da  outra.
Finalmente, chegamos à compreensão como o quinto elemento do amor. Aqui  entendemos que precisa de exercer compaixão, misericórdia, sintonia com os  próprios problemas e fracassos. Descobre que precisa de ter paciência com as  suas limitações, tolerância com os seus obstáculos. Se compreende as suas  próprias irracionalidades, negligências e imperfeições, qualifica-se para  compreender os outros.
O amor para com os outros não pode ser praticado se ainda não o exercitou  consigo mesmo. Por isso, a regra do amor para com os outros começa por si.
Belisário Marques, Psicólogo