Nunca houve tantas mulheres bem-sucedidas, bem-cuidadas e bem de vida. E nunca houve tantas solteiras. Por opção, distração ou falta de oportunidade, elas não acham um marido a contento. Ou, simplesmente, um marido.
Por razões sociais, culturais e biológicas, a maioria absoluta das mulheres aspira a encontrar um companheiro, casar-se, constituir família e, por intermédio dos filhos, ver cumprido o imperativo tão profundamente entranhado em seu corpo e em sua psique ao longo de centenas anos de história.
A diferença a que se assiste hoje é que não existe mais um calendário fixo para que isso aconteça. A formidável mudança que eclodiu e se consolidou ao longo do último século, com o processo de emancipação feminina, o acesso à educação e a conquista do controle reprodutivo, permitiu a um número crescente de mulheres adiar a "programação" materno-familiar. As mulheres que dispõem de autonomia econômica e vida independente não são mais consideradas balzaquianas aos 30 anos – apenas 30 anos! –, encalhadas aos 35 e, aos 40, reduzidas irremediavelmente à condição de solteironas, quando não agregadas de baixíssimo status social, melancolicamente mexendo tachos de comida para os sobrinhos nas grandes cozinhas das famílias multinucleares do passado.
Imaginem só chamar de titia uma profissional em pleno florescimento, com um ou mais títulos universitários – e um corpinho bem-cuidado que enfrenta com honras o jeans de cintura baixa ou o biquíni nos intervalos dos compromissos de trabalho. Além de fora de moda, o termo pode ser até ofensivo. O contraponto a esses avanços é que, quanto mais as mulheres prorrogam o casamento, mais se candidatam a uma vida inteira sem alcançá-lo.
Em 1986, a revista americana Newsweek, em memorável reportagem de capa, fez um alerta alarmante: as mulheres que estavam deixando para se casar mais tarde, ou por exigir muito do parceiro, ou por medo de "perder a liberdade", ou pela intenção de primeiro se firmar profissionalmente, iam acabar ficando para... bem, para o time das que nunca se casaram.
Com base nas projeções de um estudo desenvolvido na Universidade Harvard, a revista dizia que "a mulher branca, com diploma universitário, nascida em meados dos anos 50, que ainda estiver solteira aos 30 anos tem só 20% de chance de se casar"; aos 35, a probabilidade caía para 5% e aos 40, para parcos 2,6% – propiciando aí uma das frases mais execradas de todos os tempos, a de que essa mulher teria "mais probabilidade de morrer num ataque terrorista" do que de encontrar marido (isso, naturalmente, antes que os ataques terroristas chegassem ao território americano).
E, no Brasil, qual a situação da mulher que chega à casa dos 30 sem se casar? A revista VEJA consultou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), examinou pesquisas, conversou com especialistas e constatou: as mulheres que consideram de importância fundamental a aliança na mão esquerda devem ficar atentas à passagem do tempo – ou, quem sabe, mudar-se para os Estados Unidos.
O número de mulheres com 35 a 39 anos que continuam solteiras é bem maior agora do que há dez anos – pelo censo do IBGE, a porcentagem, na faixa daquelas com diploma universitário, pulou de uma já alentada média de 20% em 1991 para 30% em 2000, o último dado disponível. E as perspectivas não são animadoras.
Um grupo de pesquisadores do departamento de estatísticas e demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte cruzou dados do último censo com informações do Registro Civil e, aplicando a mesma técnica usada para prever taxas de expectativa de vida, calculou a chance de brasileiras solteiras atualmente virem a se casar em algum momento no futuro. O resultado: aos 30, elas têm 27,6% de chance de encontrar um marido. Parece pouco? Pois aos 35, a chance cai quase 10 pontos, e aos 40 despenca para meros 13,7%. Aos 45, a solteira tem apenas 10,1% de probabilidade de comparecer perante um juiz de paz.
Todo mundo sabe que as uniões não formalizadas são freqüentes, em especial entre casais nos quais a parte feminina não sente a premência do "papel passado". Mas que os números impressionam, impressionam.
De acordo com o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, "Mulheres sozinhas têm renda 62% mais alta que a das acompanhadas. Quanto mais renda, mais sozinhas; quanto maior a idade, menor o número de acompanhadas; e nas cidades grandes há mais sozinhas do que nas cidades menores ou nas zonas rurais", diz ele. "Quer dizer, se você é executiva, é solteira, passou dos 45 e vive na capital, prepare-se para tirar o máximo proveito da vida a um", aconselha.
A atenção despertada pelo grande contingente de mulheres solteiras é produto de um momento de transição: as transformações sociais, econômicas e tecnológicas das últimas décadas foram tão rápidas que a matriz de comportamentos profundamente solidificados não teve tempo de acompanhar a mudança.
Adiar a união até a carreira estar relativamente bem encaminhada e a independência econômica consolidada tem uma vantagem evidente: o eventual marido deixa de ser a tábua da salvação financeira, a garantia de sobrevivência. Isso, por sua vez, cria uma espécie de ciclo vicioso. Como não precisa, a todo custo, ter um homem para lhe assegurar o status social e econômico, a mulher profissionalmente bem-sucedida é também mais exigente na hora de escolher seu parceiro.
"Mulheres que se dedicaram à carreira e se tornaram qualificadas buscam homens tão ou mais qualificados do que elas. Só que a qualificação se divide na população como uma pirâmide, ou seja, quanto mais qualificado e bem remunerado, mais raro o parceiro. Elas terão mais dificuldade em achar um homem do seu nível", diz o professor de relacionamento amoroso do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Ailton Amélio da Silva, autor do livro O Mapa do Amor.
A pirâmide de parceiros se estreita justo no momento em que a mulher que deixou para se casar mais tarde começa a apontar o radar nessa direção. O dado estatístico é comprovado empiricamente por qualquer mulher que esteja no mercado amoroso. "O homem mais disponível é casado. O mais interessado é jovem demais. E os mais difíceis são os da mesma faixa etária, que só querem sair com meninas novinhas". Se ganha na liberdade de ação proporcionada pela solteirice, reconhece a dureza da falta de ter alguém "para dividir emoções".
No âmbito religioso a situação não está muito diferente, são elas as que ultimamente têm se destacado no desenvolvimento pessoal, acadêmico e profissional. Cada vez mais as mulheres assumem papéis de liderança e proeminência no meio eclesial. Mesmo sendo tradicionalmente dominada pelo clã masculino algumas denominações têm sentido a necessidade abrir espaço para elas.
Por outro lado, são as casadas, com perfil de boas esposas e boas mães que têm maior projeção. O modelo de família contínua o mesmo tradicional e as jovens que crescem no meio religioso se vêem num beco sem saída ainda maior. Além de passarem pelo mesmo drama evidenciado nas pesquisas acima, a doutrinação religiosa lhes impõem um tipo de marido, que circunscreve ainda mais sua aspiração a um casamento feliz. Não é tão simples ser mulher, inteligente, profissionalmente realizada, com formação superior, cristã e conseguir um parceiro à altura.
Deus abençoe as mulheres...