Nos países, ditos desenvolvidos, cresce assustadoramente o número de mulheres que consomem bebidas alcoólicas.
Há quem diga que o quadro não é diferente nos países em desenvolvimento. Há tendência para tentar encontrar “razões” que justifiquem este problema, no entanto, ainda não se sabe se bebem em situações de crise ou se o fazem por serem as mais vulneráveis ao estresse social que os homens. Há também quem afirme que o álcool é mais pernicioso para as mulheres devido às diferenças existentes entre os dois sexos.
O que está subjacente ao consumo do álcool?
Segundo Gameiro in Fonseca (1979)[1], o alcoolismo deve ser considerado como uma manifestação sistêmica – modelo biológico, sociológico e psicológico – em que vários fatores atuam e interagem entre si.
Fatores biológicos
Ao nível biológico o efeito do álcool, constata-se que o hábito alcoólico instala-se mais rapidamente, acabando por ter um aspecto mais destrutivo, uma vez que o organismo feminino esta menos preparado para metabolizar o álcool. (Bredda, 1994)[2]. A absorção alcoólica parece ser muito mais rápida; o que contribui para uma toxicidade mais elevada. Torna-se evidente, então, que as diferenças orgânicas, relacionadas com a resistência aos efeitos do álcool estão ligadas à desigualdade dos sistemas hormonal, imunológico e enzimático.
Fatores Sociais
Constata-se que à medida em que se a diminui a censura social sobre a mulher embriagada, o alcoolismo feminino aumenta e toma progressivamente a mesma aparência do masculino. Assim, enquanto a mulher se afasta do comportamento típico da feminilidade, em que desempenha diferentes papéis (mulher, esposa, mãe, profissional, dona de casa...) à incidência do alcoolismo aumenta.
Para Bechnik (in Fernandez, 1981)[3], os fatores que determinam o crescimento desta problemática resumem-se aos seguintes mecanismos:
a) Mudança externa, queda dos “tabus” e obstáculos sociais;
b) Mudança interna, que se transformou numa crise de Identidade pelo fato da mulher ter interiorizado como modelo aspectos masculinos;
c) As tensões de uma vida profissional e as incitações provenientes do meio, no que se refere ao hábito de beber, ocupando os tempos livres para “solidificar” as relações interpessoais.
Apesar da diminuição da censura, a sociedade tem pouca tolerância com a mulher alcoólica, rejeitando e marginalizando aquelas que se embriagam frequentemente. Desta forma muitas delas entram num ciclo vicioso: bebe porque se sente rejeitada pelos outros, e assim é retirada do grupo. Considerada transgressora de sua imagem de mãe, protetora, educadora, afetiva...- o que explica muitas delas se esconderem para manter o vício.
Fatores Psicológicos
O alcoolismo poderá ocorrer em conseqüência de uma organização neurótica da personalidade. Muitas vezes como compensação de fracasso, abandono, decepção ou ainda tentativa de assumir alguma virilidade.
Reynaud (1987)[4] indica, como uma possível causa, um trauma de caráter sentimental no fundo do qual há uma mulher que sofre, com uma solidão difícil de suportar e que a procura preencher com a bebida.
Por outro lado pode representar os conflitos e ambivalência de identidade sexual, mas, sobretudo para diminuir, ou mesmo anular, a diferença entre o modo como se vê e de como gostaria de se ver.
Fatores Espirituais
A ausência de uma referência do Divino na vida cotidiana dos individuos colabora para a instalação de um complexo de sentimentos ambivantes em relação a funcionalidade e finalidade da existência humana. O vazio existencial, a falta de fé e esperança empurra o individuo cada vez mais para um abismo de solidão de proporção cada vez maior. A própria desestruturação dos modelos autruistas de relacionamentos, a exaltação descomedida do individualismo, a valorização da competência e da auto-suficiência, impõe um ritmo acelerado e quase sempre levando a exaustão a maioria. O significado último do existir se perde na efemeridade do "ganha-pão de cada dia". Não existe mais tempo para Deus, nem para o tempo de Deus.
Importância da família
Importa sublinhar que a família ocupa um papel primordial na estruturação e funcionamento psicológico do indivíduo. Como tal, as contribuições familiares englobam fatores genéticos e ambientais. Muito se tem afirmado que os filhos de alcoólicos têm, para o álcool, uma especial apetência. Isto, no entanto não prova a existência de uma hereditariedade alcoólica, mas apenas que os filhos de pais alcoólicos recebem desde cedo influências ambientais que explicam muita “coisa”. Além disso, quase sempre marcados, física e psicologicamente, estes filhos dificilmente se libertam de tais influências e de solicitações que neles irão incidir. Tanto mais que são em si mesmos, portadores de uma menor resistência ao álcool. Por outro lado, a vida frustrada e infeliz do alcoólico dá aos filhos um sentido de desgosto, de insatisfação e de revolta, que os poderá induzir na mesma vida de bebedores.
Hoje são muitos os grupos de apoio aos alcoólicos, e muitas as possibilidades de terapia, geralmente envolvendo os membros da família. Seja qual for o modelo de intervenção, deverá fornecer informações acerca das conseqüências que a dependência do álcool tem para si e para o seu meio, para que possa decidir deixá-lo... para que possa conhecer-se melhor, crescer e, fundamentalmente, para que este não se torne o elixir de uma vida curta e infeliz.
[1] Fonseca, A.F. (s/d) Psiquiatria e Psicopatologia Vol. I e II; Lisboa, Ed. Calosute Gulbenkian.
[2] Breda, S. (1994) Aspectos epidemiologicos e nutricionais do alcoolismo feminino; in “ Revista da Sociedade Portuguesa de Alcoologia” nº 1/1; Vol III Jan-Ago
[3] Fernandez, A. (1981) “ La Dépendence Alcoolique”; Paris; Presses Universitaires de France.
[4] Reynaud, M. (1987) “As Toxicomanias – Alcoolismo – Tabagismo – Drogas”; S.Paulo; Organização Andrei Ed Lda.
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