domingo, 10 de junho de 2007

Quando a Teologia separou a Sexualidade e a Religião

Para entendermos melhor as idéias de separação, escolhemos alguns dos Padres da Igreja para representar toda uma forma de pensar e de agir, que no futuro iriam legitimar determinadas posturas dualísticas entre Sexualidade e Religião.

Justino (100-165), foi um filósofo e mártir do início do cristianismo, e sua doutrina foi uma das primeiras a tentar harmonizar as idéias de fé cristã, incluindo os posicionamentos relacionados à sexualidade, com a filosofia grega. De origem pagã, e posteriormente convertido ao cristianismo, defende as idéias de que o casamento tinha objetivo único da procriação. Em sua teologia, valorizou os ideais da castidade (Larousse, 1988). Justino apud Rosa (2003) escrevem que “desde o princípio, ou nos casamos, com uma única finalidade de ter filhos, ou renunciamos ao casamento e permanecemos na mais absoluta continência” (p.102). Segundo o autor, Justino também assimila a posição radical de rejeição aos prazeres da carne, através do rito de dedicação e consagração a Deus: a castração, deixando claro sua posição separatista no que diz respeito, à sexualidade e espiritualidade.


Rosa (op.cit.) comenta outros teólogos e refere: Orígenes, escritor grego cristão que viveu entre 185 a 254 dc, identifica os mesmos passos de separação entre espiritualidade e sexualidade. Em busca da perfeição cristã este radicalizou castrando-se aos 18 anos. Justificava seu ato pela aplicação literal da passagem de Mateus 19:12, “Porque há os eunucos que o são desde o ventre de suas mães; e há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens, e há eunucos que a si mesmo se fizeram eunucos por amor do reino dos céus.” Mais tarde chegou admitir a radicalidade de seu ato, mas não abriu mão de ver o celibato como um caminho mais elevado aos olhos de Deus.


Percebe-se a influência gnóstica no que diz respeito ao desprezo pelo corpo. Rosa (op.cit.) faz o seguinte comentário:


“Seguindo ainda alguns tabus pagãos vindo do helenismo, na visão de Orígenes o culto e o coito eram realidades absolutamente opostas. Por exemplo, ele alertava insistentemente a que os casais não fizessem oração no seu leito conjugal, pois a oração feita ali perdia a sua eficácia. Era ainda dentro desta perspectiva que ele cria que a eucaristia seria manchada se o ato do partir o pão acontecesse no dia seguinte ao ato sexual”( p. 112).

Estas idéias foram confirmadas séculos depois pelo Concílio de Trento (séc XVI) estabelecendo que a abstinência sexual, deveria ser observada pelo menos três noites antes da eucaristia, para que assim fosse preservada, toda contaminação deste sacramento. “A dignidade do grande Sacramento exige que pessoas casadas se abstenham de seu dever conjugal alguns dias antes da Comunhão”.(MacHug and Callan apud Rosa, 2003, p.114)


Sobre Ambrósio, destaca que foi um dos mais celebrados padres da igreja cristã, elevando-se a condição de bispo. Partidário do mesmo pensamento de seus antecessores defendeu ferrenhamente a castidade como ideal de santidade e virtude. Baseou suas argumentações exaltando a castidade na virgindade perpétua da Santa Virgem Maria (Neumann apud Rosa, op.cit, p.115).


Segundo Araújo (1997), sem dúvida o teólogo que mais influenciou o cristianismo foi Agostinho, que viveu entre os anos 354 e 430. Suas contribuições influenciaram a formação moral do Ocidente. Em sua época o cristianismo ganhou força porque estava vinculado também ao plano político e social. Tal combinação fora promovida pelo Imperador Constantino, no final do século III, vendo na solidez da igreja, o meio de unificar o império.


Argumentos mais elaborados e polêmicos sobre Religiosidade e Sexualidade redundam na consolidação e sistematização da visão separatista entre ambos. Promove-se a exaltação da virtude contrapondo-a ao vício, e ligado a este último está o sexo. Agostinho defendeu o sexo sem prazer somente para a procriação. A prática sexual só por prazer era considerada pecado. Oscila em reconhecer o ato conjugal como legítimo e ao mesmo tempo como a ocasião onde ocorre a transmissão do pecado original. (Kosnic, 1982) Postulou também que não deveria haver paixão entre os cônjuges, pois assim ficaria mais fácil abdicar do sexo em função da família. Agostinho elabora argumentos teóricos relacionando sexo e pecado original. Segundo Heinemann (1995), nesta perspectiva mais crítica, o problema de Agostinho com a sexualidade começa por ter ele baseado a essência do seu conceito de sexualidade humana, sobre a queda de Adão e Eva. Na visão agostiniana, segundo afirmam seus críticos, o pecado de Adão e Eva trouxe terríveis conseqüências para a sexualidade.


Rosa (2003) declara que Agostinho ensinava que quando Adão e Eva pecaram, cobriram a genitália como sinal de vergonha. Daí ele deduz que o primeiro casal cobriu suas respectivas genitálias por acontecer através delas a transmissão do pecado original. Daí para a condenação do ato sexual como fator transmissor deste pecado foi um salto previsível. No encontro de dois corpos e pela penetração através do contato genital, Agostinho encontrou a explicação para a maneira pela qual o pecado original nos foi transmitido. Assim, para Agostinho “a relação sexual ou mais precisamente o prazer sexual, é o que transmite o pecado original continuamente de geração em geração.” (Heinemann,1995, p.90)


Nesta perspectiva, o processo de encarnação e redenção de Jesus, é visto também na ótica da sexualidade. Jesus veio ao mundo através de uma santa e milagrosa exceção, que fez do ventre de Maria, um habitat sagrado não contaminado pelo sêmen dos descendentes de Adão. Por isso, Jesus também é o redentor da nossa humanidade, pois estaria livre em seu Ser, de ter sido contaminado pelo pecado original, desde que este, é transmitido pelo ato sexual, do qual Maria não participou.


Segundo Rosa (op.cit.), antes do Pecado Original, o sexo era praticado sem excitação sexual como entendemos hoje. Era totalmente controlado pela vontade racional do homem. Assim como hoje controlamos as nossas mãos e pés, fazendo deles servos da nossa vontade, assim no Édem, os órgãos sexuais eram controlados da mesma maneira. Com a mudança do estado original, veio o desejo pelo prazer e este desejo minou o controle da vontade racional sobre seus órgãos. Entregue ao desejo, o ser humano e seus descendentes perdem a capacidade de controlar o pênis, que agora já não responde a ordem da mente, pois escuta também a voz do desejo e do prazer. Como um asno que não responde às ordens do seu comandante e treinador, os órgãos sexuais, já não mais respondem às ordens vindas do controle racional. Adão recebe em si mesmo a punição pela desobediência a Deus, vendo em sua própria carne, uma parábola da sua rebelião contra Deus. A ereção do seu órgão genital motivada pelo desejo de alcançar o prazer sexual torna-se uma metáfora da sua própria trajetória diante de Deus, uma metáfora da sua própria condição de desobediente diante do criador. Tal percepção imprime uma marca pecaminosa no corpo quando este responde ao desejo, à busca pelo prazer. Traz um terrível desconforto ao ser humano, pois o processo natural de movimento da sua genitália, é um testemunho de denúncia da sua condição de caído diante de Deus.


Mais tarde São Tomás, sem nenhuma pretensão de rever a posição de Agostinho afirmará que “o homem torna-se bestial na cópula, porque não pode moderar com a razão o prazer do coito e a força da concupiscência”. (Benetti, 1998 p.297)


A partir desses relatos podemos perceber a origem de diversos problemas que católicos e protestantes enfrentam com a vivência de sua Sexualidade. Necessitamos de uma revisão crítica com relação ao que se FALA ou que se CALA nas igrejas sobre o sexo, inclusive com relação às práticas sexuais. Se existe alguém interessado em que possamos aproveitar nossa sexualidade EM TODA A PLENITUDE certamente é o nosso Pai, que nos criou como seres sexuais.

Este artigo faz parte da Dissertação de Mestrado em Sexologia defendida pelo autor em 2005.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA (todas as citações se encontram em):
NASCIMENTO, Virgilio Gomes. Norma e transgressão da sexualidade: uma pesquisa acerca dos transtornos sexuais femininos e conflitos entre atitudes e comportamento sexual num grupo de mulheres evangélicas do Grande Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Mestrado em Sexologia da Universidade Gama filho, 2005. Dissertação de Mestrado (183 p.)

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